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A natureza da Selic na repetição de indébito

27 de maio, 2019

Ganha cada vez mais força uma importante tese tributária, que já teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (leading case: RE 1063187), com chances de êxito bem razoáveis. Trata-se da não incidência de Imposto de Renda (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a taxa Selic nos valores recebidos na repetição de indébito tributário e no levantamento de depósito judicial.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) já se manifestou nos autos de forma contrária por entender que “é constitucional a cobrança de IRPJ e CSLL sobre a Selic paga a título de juros moratórios em decorrência do indébito tributário, tendo em vista o incremento de riqueza nova ao patrimônio do contribuinte”.

Cremos que o entendimento está equivocado. Deve sim ser afastada a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a porção referente à taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito. São várias as razões que nos conduzem a esta conclusão.

O principal argumento da PGR repousa na suposta natureza remuneratória – e não indenizatória – dos juros apurados pela Selic porque “os valores pagos a título de juros de mora incidentes sobre o indébito tributário espelham acréscimo patrimonial, pela razão de se destinarem a ressarcir o credor pela indisponibilidade do seu capital”.

Entende também a Procuradoria-Geral da República que “a penalidade pela impontualidade do ente devedor e o ingresso de novos valores à soma de bens do credor tem natureza de verdadeira riqueza nova”.

Com esses dois argumentos principais, a PGR afasta o caráter puramente indenizatório da Selic, para entender que a remuneração sobre o indébito tributário não seria uma mera recomposição do patrimônio do credor – que ficou sem a disponibilidade daquela quantia por determinado período -, mas sim uma espécie de remuneração pelo capital coercitivamente investido junto ao Tesouro.

De fato, a taxa Selic não pode ser acumulada com qualquer outro índice, seja ele de juros ou correção monetária. A questão já foi julgada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1.111.189-SP, fixando o entendimento de que essa taxa tem dupla natureza, juros de mora e correção monetária. Este seria o principal motivo da impossibilidade de cumulação.

A leitura apressada do acórdão do STJ poderia levar ao entendimento equivocado de que o assim denominado componente remuneratório da Selic seria tributável, enquanto o componente de correção monetária não o seria. Ocorre, entretanto, que é impossível fazer esta separação.

Basta ver que o próprio Código Civil, em seu artigo 406, define que a taxa Selic como juros moratórios, ou seja, aqueles que se originam do inadimplemento do devedor em cumprir a obrigação convencionada ou decorrente de lei, no prazo, lugar e/ou forma estabelecida, seja esta uma obrigação de dar ou de fazer. Exemplos de juros moratórios podem ser encontrados no artigo 404 do Código Civil, que trata dos critérios de pagamento e correção das perdas e danos.

Não se pode perder de vista, portanto, que por melhores que sejam os argumentos da PGR e por mais que a distinção entre juros moratórios e remuneratórios nem sempre seja tão nítida ou perceptível, a realidade dos fatos é que nenhum contribuinte, em sã consciência, prefere ter seu capital indisponível, sujeito a toda burocracia da Receita Federal em processos de restituição do que tê-lo aplicado em outro lugar, da forma que melhor entender, com possibilidade de ganhos até mesmo superiores à taxa Selic.

Por essa simples razão, é evidente que a natureza jurídica da taxa Selic é a de juros de mora, de indenização, uma vez que ela apenas recompõe parcela do patrimônio do contribuinte que lhe foi ilegalmente subtraída.

Todo tributo decorre de lei e somente a lei pode estabelecer sua cobrança. Se o contribuinte pagou mais do que a lei determina, sofreu diminuição ilegal em seu patrimônio e o mínimo que se espera é que essa ilegalidade seja reparada com a devida incidência dos juros moratórios cabíveis.

Portanto, se estamos falando de uma indenização pelas perdas e danos sofridos pelo contribuinte em razão da ilegalidade contida no pagamento a maior efetuado e da demora do Tesouro em restituir aquilo que lhe é devido e nunca em uma opção do contribuinte que teria resolvido “aplicar” seu dinheiro pela Selic, nada há como incidir IRPJ e tampouco CSLL sobre a parcela que foi corrigida por esta taxa.

Em vista disso, a exigência de IRPJ e CSLL sobre o montante corrigido pela taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito ou no levantamento de depósito judicial viola a regra-matriz do imposto sobre a renda fixada na Constituição Federal (artigo 153, III, c/c art. 195, I, “c”), em razão do que é nitidamente inconstitucional e deve ser afastada pelo Supremo.

Fonte: Valor

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